quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Duas


Dentro de mim existem duas pessoas. Não são o bem e o mal, nem o homem e a mulher. Dentro de mim existem uma menininha e um mulherão.
A menininha faz somente o que lhe é mandado, só quando é mandada. Não tem voz ativa nem proatividade em nada, e espera sempre por os outros fazerem o trabalho mais difícil, e o mais fácil também. Na verdade, ela nunca quer fazer nada que necessite trabalho ou que faça com que outras pessoas a vejam. Além de tímida, é preguiçosa.
 Claro que a menininha também tem características boas. Ela é a melhor amiga e ouvinte que se pode ter notícias. Tem um ombro confortável e aguenta carregar o peso das dores e problemas de todos, além dos dela mesma, sem reclamar ou pensar mal daquilo. Ela é calma e as crianças a adoram, mas claro que somente quando nenhum dos pais está olhando, pois só aí ela se solta. Ela é toda meiga e cuidadosa, tanto no físico como no contato emocional com as pessoas. É sonhadora, e sonha até demais. Não sabe ao certo o que quer para o futuro, e vive com medos de onde ela vai parar.
Já o mulherão tem atitude. Faz todo o trabalho necessário antes que as pessoas pensem que existe trabalho a fazer. Não delega funções por puro prazer de fazer todas as coisas, mas quando precisa delega-las, ela faz isso sem nenhum receio. Essa parte de mim sabe exatamente o que quer para o futuro, e tem toda a certeza do mundo de que vai conseguir. Confia cegamente em si mesmo e em sua capacidade, mas quando faz algo, dá o seu melhor (o que não quer dizer que o seu melhor é sempre o suficiente e que ela nunca falha). É mandona e sempre quer holofotes sobre ela, e é exatamente por isso que está sempre tentando ser a primeira a se inscrever em atividades ou lideranças. Aliás, ela é uma líder nata.
É aquela pessoa que não pensa duas vezes antes de gargalhar ou contar alguma piada, ou antes de dizer “algumas verdades” a um amigo. O namorado dela a admira, mas tem receio por ela sempre tentar ser tão controladora. É nervosa, e quer sempre tudo a sua maneira. Se algo não funciona ou não segue seus roteiros, ela perde a cabeça.
Uma calma e tímida outra nervosa e extrovertida. Uma quer letras, outra direito, política ou qualquer coisa que possa ajudar e mexer com pessoas.
Por vezes, sinto que a menininha acalma o mulherão. Essa, por sua vez, fica furiosa, mas a raiva é abafada por algo muito belo ou meigo que a menina quer me mostrar. E outras vezes, o mulherão impulsiona a menininha, não a dando tempo nem para pensar ou protestar contra algo. Ela simplesmente me empurra em direção a alguma coisa, geralmente a fazer algo improvisado, para o qual a meiguinha não estava preparada, ou a assumir algum compromisso ou liderança séria, que ela não sabe ao certo se quer. A menininha olha assustada para o mulherão, tenta o mais disfarçadamente que pode articular com a boca, mas sem proferir sons: “você está louca?” E lá vai ela, de olhos arregalados, sendo empurrada em direção ao desconhecido.
Tem dias que sou uma, e tem dias que sou outra. Nunca se sabe qual virá. Só se espera que seja a adequada ao momento.

Elizabete


   Elizabete, uma pacata dona de casa, pensava em se separar do marido. As brigas andavam muito frequentes, e ele já não era mais o mesmo. Não tinham filhos, portanto nada impedia o rompimento do não mais romance. Além disso, tinha quase certeza de que Rodrigo tinha um caso. Não que ela tivesse encontrado cabelos ou manchas de batom, chupões e etc., mas ele andava satisfeito demais, sem razão nenhuma.
   Não sabia se era somente isso, ou se ela se cansara de ser a mulherzinha que fica só em casa cuidando do marido, que chega do trabalho, joga a cueca no chão e some com o dinheiro sem que ela veja sequer a cor do dito (mais um motivo para acreditar na existência de uma amante).
   Estava apenas esperando o momento certo. Precisava ter um motivo real, apenas desconfianças ou um amor já acabado não seriam o suficiente, nem para ele e nem para sua família, que ficaria chateadíssima ao receber a notícia.
   Dona Bete e Seu Ricardo já não viviam um mar de rosas, mas isso não aparentava a quem olhasse de fora. Todos os dias pela manhã ela lhe servia o café, ele saía de casa e era um tal de “Bom trabalho” e “Até mais tarde” e beijinhos que a faziam crer que estava tudo bem, por poucos segundos de uma manhã cinzenta. Porém, no fundo ela sabia que não existia mais chances das coisas voltarem a ser como antes, nos tempos de recém-casados. Era triste jogar uma relação de quase dez anos fora, mas se era preciso, isso mesmo que ela iria fazer.
   Certa noite, o marido volta especialmente cansado do trabalho. Cabelos e terno amarrotados. Ela teve a certeza de que ele estava com a amante, e resolveu terminar com aquilo ali mesmo: iria anunciar que queria o divórcio durante o jantar.
   Ao se sentar a mesa, notou que o homem havia depositado uma pequena caixa de presente sobre o tampo. Ele estava sentado ao seu lado, mas não parecia tomar conhecimento da caixa. Se fosse alguma evidência, tanto melhor para ela. Se não fosse, ele não tinha o que esconder. E ela abriu a pequena caixa achatada e azul.
   Dentro havia duas alianças, e acima delas, encaixado de forma a formar um triângulo e não sair do lugar, o menor chocalho de prata que ela já havia visto. Na tampa da caixa, na parte de dentro, um bilhete: “Para a mulher mais linda do mundo. As alianças são para nós renovarmos nosso amor. O chocalho é para o bebê que virá nos renovar.”.
   E ela voltou a acreditar no amor e no próprio casamento. Alguns meses mais tarde, anunciou a chegada do bebê a toda a família. E a vida voltou a ser como de uma recém-casada. Pelo menos até o bebê nascer.

   Moral da história: Se você sabe quem é a mulher da sua vida, faça com que ela se apaixone todos os dias por você. Joias sempre ajudam. 

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Dona Vânia parte II e notícias terríveis no domingo

   Esperava a procissão acabar para puxar o sino da igreja, e avisar a todos os fiéis que a Missa iria começar. Era um domingo especial, dia de um Santo especial e um dia muito quente. Eu parada suava, e entendia as pessoas que decidiram não vir a essa festa religiosa, e ficar na fresquidão de suas próprias casas, no conforto de suas camas. Eu mesma queria continuar lá.
   E estava, contudo, parada debaixo do sol, mirando a esquina para, assim que avistar as pessoas, fazer soar o chamado ao bairro inteiro, juntamente com os fogos de artifício que os homens iriam queimar em frente à igreja.
   A procissão estava longe de acabar, mas eu continuava em pé, aguardando pacientemente. Mas, olhando para a esquina contrária, me pego observando uma pessoa em especial, me distraindo da minha função. Era alguém em uma cadeira de rodas, levando um vaso de flores no colo. E as flores eram tantas e tão grandes, que cobriam o rosto dessa pessoa por completo. Atrás, empurrando a cadeira, vinha uma senhora ofegante, o suor lhe derramava sobre o rosto e ela se esforçava para levar a acadeira até a igreja. Naquele momento, percebi quem vinha coberta de flores. Dona Vânia, sobre quem já falei aqui (http://www.ospirulitosacabaram.blogspot.com.br/2012/08/com-carinho.html). A rã no tacho de leite.
A poucos dias, essa senhora havia quebrado a bacia. Além de todos os seus problemas, ela tinha que aguentar mais uma dor, e não poderia mais fazer o transplante, tendo que piorar o estado de seus braços, por continuar a fazer transfusão.  Ela era, de todos os fiéis que frequentavam a missa (e, por seu estado, nós não tínhamos mais a visto) a que mais tinha o direito, e até dever, de se poupar do calor e esforço e ficar em casa, se cuidando. Mas ela vinha, lutando contra a dor que sentia, e que se estampava em seu rosto, e sempre auxiliada pela irmã, trazer as flores ao Santo a quem ela tanto orava.
   Quando ela chegou, nós logo tratamos de pegar a cadeira de rodas e dar uma "folga" a sua irmã, também uma senhora já meio frágil. Assim que me viu, disse-me "Manda alguém lá na minha casa, porque eu fiz uns pudins para dar à festa, mas não pude trazer por causa da cadeira!".
   Posso dizer que lutei contra minhas lágrimas, e que tive certeza de que a fé realmente move e dá forças ao ser humano.
   Sei que nem todas as pessoas que leem o que escrevo, acreditam em algo superior, ou em Deus, propriamente. Mas gostaria de fazer um pedido: Jamais tirem a fé de alguém. Jamais façam uma pessoa duvidar daquilo em que ela acredita. É o maior tesouro e esperança que essa pessoa pode ter, e, assim como a Dona Vânia, pode ser o que a mantem viva até agora.

   Também nesse dia recebi notícias terríveis: uma prima no hospital, perdendo os movimentos e forças do corpo de maneira gradual e com esse problema sendo ainda um mistério, surgido do nada. E um amigo muito querido com leucemia, também no hospital, em coma.
   Problemas que vêm como surpresas, terríveis e tristes surpresas. E nesses momentos, quando eu não posso fazer nada por eles (nem doar meu sangue eu não posso mais) é que eu mais rezo. São as horas em que minha fé tem mais "serventia". Pois, é como dizem: "Rezar não é pensar demais, e sim amar demais".
   Aproveito aqui a história da Dona Vânia para pedir orações e pensamentos bons aos meus amigos e prima que se encontram com essas provações no meio de suas vidas.
   Continuem a nadar, amigos. Pulem. O leite vai virar manteiga.
   E eu estou aqui torcendo, e orando, de coração.

Caro jovem




   Levante desse sofá. Desliga esse computador (mas só depois que terminar de ler). Fecha o e-mail e o Facebook,  ninguém vai te solicitar hoje, por esse segundo.
Se tens saúde e vitalidade agora, você sabe que não terá para sempre. Saia da frente do computador, e vá correr. Se estiver chovendo, dance e sinta a água te molhar por inteiro. Se estiver frio, abrace e sinta o amor quente dos outros. Sinta. Porque sua vida não se estenderá por todos os anos da humanidade. Você precisa correr. Faça seu coração acelerar e pare para ouvir o ritmo que bombeia vida através das suas veias. Agradeça por ter tudo isso, e por sempre ter tido a sorte de continuar com a cabeça erguida.
   Se desmoronou, lembre-se que nós caímos mil vezes durante nossa construção. Dê valor ao seu caráter e a todos e tudo que o formaram.
   E comece a pensar em sua vida. O que você quer fazer com ela?
   Daqui a dez anos, você pode estar passeando de bicicleta pela orla de uma lagoa. A vida passou e você já percebeu que nem tudo que vale a pena pode ser feito através de uma tela high-tec . Suas vitórias estão listadas em uma folha de papel. Nenhuma delas é uma pessoa, ainda. Mas vives tranquilo (a) e feliz, do jeito que sempre planejou e continua construindo sua vida.
   Ou você pode estar na cabeceira de uma mesa, olhando sua família reunida em torno dela e dando graças a Deus por ter achado as pessoas que perpetuariam sua vida e que a tornariam prazerosa a cada passo dado. Suas conquistas podem se resumir em pessoas, ninguém liga. Pode também se resumir em alcances, em empregos. O importante é que você tenha a vida que sempre quis, ou que descobriu tarde demais que queria.
   Também pode ser que você já tenha viajado o mundo, falado várias línguas e lido muitos livros. Pode ser que sua vida se passe dentro de um escritório e tenha sucesso no que faz. Ou você pode passar os fins de semana na praia e se divertindo do jeito que você quiser.
   Mas não perca tempo com aquilo que não te faz feliz, e com aquilo que não te faz crescer. Trabalhe para você e para mais ninguém. Mas comece a trabalhar. 
   Comece a trabalhar para aquilo que quer! Use suas ferramentas da melhor forma. Se você tem acesso à rede mundial de computadores, então use sua voz para dizer aquilo que está errado e aquilo que está certo. Aprenda...
   Mude o mundo. Mas, primeiro, mude você.
   Vamos nos humanizar antes de melhorar as máquinas que temos.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Acúmulo de culpas

   Estou novamente em casa, com meus momentos de ócio, e não fui te visitar - de novo.
   Penso sempre: "Porque ela não vem aqui?" Tentando amenizar minha culpa que, agora, transborda e pesa nos meus ombros. Sou uma acumuladora.
   Acumulo amizades, dores, culpas, anseios, sonhos impossíveis e que eu nem quero, realmente, mais. Meu ser é lotado de coisas velhas e que eu já deveria ter jogado fora. Promessas não cumpridas impedem que minhas gavetas se fechem, e sobre cada móvel há pilhas de pessoas quase esquecidas, mas que eu não quero esquecer. Elas já me esqueceram, claro, mas todas aquelas culpas sobre as quais eu acidentalmente piso enquanto caminho - pois se atiram pelo meu chão - não deixam minha memória ser ruim.
   As minhas dores estão bem escondidas pelos cantos, para que ninguém que se atreva a olhar mais de perto consiga achá-las, e entre todas aquelas flores secas no meio de todos os livros já lidos, estão aqueles sonhos antigos, que eu nem quero mais, mas que (como roupas velhas) não me desfaço por medo de nunca mais conseguir olhar para trás; nunca mais poder voltar à minha forma antiga.
   E ali, escondida, está você. Aliás, escondida não! Ainda lembro tanto e tantas vezes daquela visita prometida, que você só pode estar sentada espaçosamente sobre meu sofá, assoviando e batendo palmas para atrair minha atenção a cada vez que passo. Me sinto uma assassina, como se tivesse te matado no meu cotidiano, mesmo você ainda estando tão viva no meu íntimo. Mas a verdade é que nós duas mudamos, e que não faríamos mais tanto bem uma à outra.
   A coisa toda é que eu não quero mais ser uma acumuladora. Preciso jogar fora o que pesa dentro de mim. E se isso implicar te jogar, jogar nossa amizade, no lixo, assim será. Tudo para poder caminhar mais leve e seguir em frente na escalada. É o que irei fazer: jogar fora todo o peso inútil.
   Me entenda, cara velha amiga. Vamos seguir em frente e esquecer aquela promessa de nunca mais nos separar. Não aguento mais todos os teus quilos emocionais, e não gosto de pensar que você pode estar me esperando. Foi ótimo enquanto foi, mas te carregar seria como guardar papel de bombom na agenda, só pra lembrar como o dia foi lindo.
   E eu não preciso desse tipo de lembrete. Eu sempre vou lembrar, mas só quando eu quiser.

Pílulas

  
   Por que falar tanto da hipocrisia, se é nada mais que uma condição humana? Todos vivem a hipocrisia, e mais ainda os que falam nela e a criticam sem parar. Você que fala das pessoas hipócritas, se escabela, sente nojo dessa espécie, não gostava de Justin Bieber e agora fingi ânsias de vômito quando ouve uma de suas músicas? 
   
   Hipocrisia então, não seria mais um modo de crescer e evoluir? Ou até mesmo de querer que o outro evolua?
   
   Como hoje existem tantas pessoas falando mal da sociedade, e essa continua do jeito que é? Não somos nós a sociedade? Não temos em nossas mãos o poder de mudá-la, mudando nossos atos e modos de agir e pensar?

sábado, 8 de setembro de 2012

Receita de Ano Novo – Carlos Drummond de Andrade


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.



terça-feira, 28 de agosto de 2012

Carta para um amigo.

  De tantas provações que a gente é forçado a passar na vida, a mais terrível delas é a perda de alguém.
  Hoje venho aqui, não pra fazer mais uma homenagem. Okay, talvez sim. Mas também para externar tudo o que vem passando pela minha cabeça desde a segunda-feira, quando eu fiquei sabendo de algo que abalou um pouco o mundo de todos nós.

Meu amigo:

  Eu acordei em uma manhã gelada e chuvosa de uma segunda-feira, nada animada para ir em uma aula nada produtiva. A escola não tem mais tanta graça desde que eu comecei a amadurecer. E eu não tenho mais ninguém que me faça ver a graça de novo.
  Mas voltemos a manhã gelada e chuvosa: um dia que, desde o começo, se sabe que será totalmente sem graça. Acho que senti algo diferente, porque fiz uma coisa atípica: entrei na van e rezei. Um Pai Nosso, um Credo, duas Ave Marias (a mãezinha sempre merece mais). Pedi proteção, e que o dia fosse bom. E dormi novamente (afinal, a gente vai dormir sempre tarde nos domingos).
  Fui acordada pelo Gustavo, me perguntando se poderia me dar uma notícia ruim. Eu disse que podia, pensando em uma possível falta à escola, por parte dele, naquele dia. E as coisas se desenrolaram de um jeito que eu já tinha visto muitas vezes... "Sabe o Michel?" "..." "Sei sim. Que que aconteceu?" "pois é... disseram que ele reagiu a um assalto...".
  Pensei em tantas coisas aquela hora. Jurei que era brincadeira, cheguei a pensar que tu tava no hospital... Mas a notícia era a de que tu tinha falecido.
  Eu ainda choro. Talvez seja fraqueza. Talvez seja o término de algo muito bom, e que eu jurava que ia durar mais. Poxa, cara! Tu ia ser o tio loucão das minhas crianças! A gente ia ter muita história pra contar!
  Eu tive raiva. Primeiro de ti (pô, Michel! Que que tu tava fazendo?!), depois dos caras que fizeram isso contigo, e depois do mundo.
  Fui pra escola tendo pequenos ataques de choro e angústia a cada 20 minutos, intercalados com momentos de calmaria em que eu me perguntava se tinha algo que eu poderia fazer por aqueles que eram mais próximos de ti do que eu. Depois eu lembrava de tudo, e as lágrimas me vinham novamente.
  Tu tem noção de quantas vezes tu foi uma mola pra mim? De quantas vezes tu me animou só de conversar comigo, seja filosofando (eu sei como tu filosofava), seja falando besteria (idem ao anterior), tu levantava o astral de um jeito que só tu conseguia.
  Mas enfim... fomos ao velório. Chegamos cedo. No caminho, relembramos tuas piadas de humor negro (sem bracinho, sem docinho!) e não podíamos não rir. Esperamos até tua chegada (tua? Será que era mesmo tu ali?) e da tua família.
  Não posso deixar de te falar o quanto tu tinha uma cabeça brilhante e um coração de ouro. Tu era incrível, e não, essa não é uma das vezes que falamos bem de alguma pessoa só porque ela morreu. Nós vivíamos dizendo isso: TU É FODA! Só não sei se dizemos pra ti.
  Foi terrível me despedir de ti. Foi terrível tentar confortar tua mãe quando em mim já tava doendo tanto. Foi terrível ver tanta gente ali reunida por um motivo tão bizarro. O Michel morrendo? Não é possível. O cara era indestrutível!
Engenharia Eletrônica, então? Não sabia disso. Aliás, acho que ninguém sabia disso. Engenharia, Michel? Eletrônica, de novo? Eu teria rido da tua cara. E tu também teria rido, pelo mesmo motivo.
  Tu não tem noção, cara, do quanto eu te considero, e do quanto eu te adoro. A gente sofre em silêncio, quando a nossa vontade é de quebrar a cara de um filho da puta desses que faz isso com alguém que, tenho certeza, é insubstituível.
  Já perdi muita gente. Mas dessa vez eu me peguei torcendo pra tu vir puxar meu pé à noite. Assim, quem sabe, eu possa falar contigo de novo.
  Estou escrevendo na esperança de que, de algum lugar, alguma hora dessas, quando te sobrar um tempinho (afinal, o paraíso deve ser muito bacana, mesmo) leia, e lembre de mim, porque eu sei que tu significava mais pra mim do que eu pra ti. Aliás, com todo mundo deveria ser assim.
  Era isso que eu tinha pra dizer de ti. Um cara especial, de excelência.
  Enfim. Espero que tu encontre muitas vaginas perfeitas por aí, porque, afinal "É nesses momentos que tu sente que o teu pau tem valor".
  E te lembra aquela vez na praça? Tudo bem que eu tava bêbada, mas se eu disse que tu ia estar na minha biografia, é porque tu vai estar. E vai mesmo.
  Adeus, Michel. Agora eu sinto que "a ficha caiu" mesmo.
  Tua curta vida valeu mais e foi mais proveitosa que a de muita gente que chega aos 100, por aí.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Com carinho

     De vez em quando, a vida e escolhas me levam a ter um olhar diferente sobre as coisas. Isso acaba por me deixar meio deprimida, mas é um bom exercício de amadurecimento.
    Me utilizando da metáfora da rã no tacho de leite, quem se deixa vencer pelas dificuldades simplesmente afunda. Aquele que luta, porém, de tanto se debater transforma o leite em manteiga, consegue sair fácilmente.
     Às vezes desistimos por coisas tão insignificantes, dificuldades bobas que se tornam um grande iceberg em nossa frente. Somos, a grande maioria de nós, raça humana, fúteis. Reclamamos "de barriga cheia". Nosso maior passatempo é reclamar. Atitudes para mudar, porém, raramente são tomadas...
     Esse fim de semana conheci uma pessoa maravilhosa. É por ela que estou aqui, agora, escrevendo isso (no meio de uma aula, antes que minha memória e inspiração falhem). Uma mulher guerreira, se debatendo no "tacho da vida".
     Filha de uma família de doze irmãos, ela luta contra cânceres (sim, no plural) desde os 35 anos. Venceu três, já. Faz hemodialise a tanto tempo que seu braço, no lugar onde são colocadas as agulhas, apresenta um grande inchaço, um "caroço" de tantas agressões da vida.
     Já fez diversas cirurgias, retirou tireóide. Tem agora uma perna mais curta que a outra, por conta de um "consumo de cálcio" excessivo do organismo. A bexiga diminuiu depois das tantas radioterapias intensivas que fez. Hoje, está esperando uma cirurgia de transplante de rim.
     É a esse indivíduo que dedico o texto de hoje. Melhoras, dona Vânia. O leite já está quase virando manteiga.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Só mais um pensamento saindo por aí


   Os pensamentos não falados explodem dentro da cabeça, confundem todos os sentidos e saberes, agoniam a lucidez. 
   Exteriorizar o que pensamos não é um meio somente de mostrar os fatos às outras pessoas, mas sim de mostra-los a nós mesmos. Pensamentos limpos, brancos no preto, ou pretos no branco.
    Será por esse motivo que queremos tanto ter alguém ao nosso lado, que escute até mesmo o que não faz sentido nem para nós? Alguém de quem gostamos e que nos entenda, para que possa saber entender os nossos pensamentos. 

Faz sentido?


   É difícil estar feliz. Essa afirmação parece estranha. Você, certamente, pensará: “Claro que não! É ótimo estar feliz. Todos procuram e querem isso, a felicidade é o que há de mais maravilhoso!” e também diriam que “O difícil é encontrar a felicidade”. Eu discordo. Encontrar a felicidade não é nada comparado a manter essa felicidade. Precisamos estar sempre em movimento, sempre buscando algo, perseguindo sonhos. Que Aristóteles me perdoe, mas é verdadeiramente esta a finalidade do ser humano: perseguir sonhos. Não realiza-los, perseguí-los. Se não estamos em busca de um objetivo, a vida não tem sentido, mesmo que tenhamos tudo nas mãos, que sejamos “felizes”.
   Se um indivíduo tem tudo que precisa para sua felicidade _e, peço desculpa agora a maioria dos poetas, (inclusive a mim, que em minhas obras defendo esse ponto de vista) mas a felicidade não está somente nas coisas simples. Não é fácil encontra-la coisíssima nenhuma, não basta olhar de um “ângulo diferente”_ ele estará constantemente procurando objetivos, olhando por coisas que ainda não tenha, e “colocando defeitos” nas que tem.
   Assim como aquele que está feliz com alguém e, inconscientemente, começa a ser a pessoa mais chata do mundo para esse alguém. Irrita, contesta tudo o que vê. Enfim, é um parceiro ruim. Não quer dizer que ele não ame essa pessoa. Só que está muito feliz. É como uma “auto-sabotagem” que fazemos sem querer. Depois da briga, depois da “DR”, das lágrimas e xingamentos, tudo volta a ser um mar de rosas. É só pra não criar limo. Pra não acostumar a ter tudo fácil. Isso é felicidade.
   Faz sentido?

sexta-feira, 13 de julho de 2012

O Lago

Todos os anos se vão com o vento
abra a porta
está aí, querido?
Voltei a ser sonâmbula,
voltei a ver os meus fantasmas.

As curvas que vejo agora,
a semi-escuridão
e a neve lá fora, intacta.
Onde estão meus livros?

Queria que soubesse que te amo
se soubesse amar, seria tudo por você.
E por que só eu vejo beleza
nas anti-rimas que deslizam meu papel?

Abra a porta, querido
não ligue para a minha pele
ela apodrece por você
e pelo lago, que desde aquele dia é minha casa.
Está aí querido? Me vê aqui, estendida por você?

Te chamo, podes me ouvir?
Ou a morte nos separa, como essa casa nos une?

Se eu soubesse amar
seria tudo por você.


Lendo: "O Iluminado- Stephen King"

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Caro residente

Queria que soubesse,
caro residente,
que sinto por quebrar tantas vezes seu bem mais precioso.
Se soubesse como amar, teria feito tudo diferente.

Você costumava ser meu melhor amigo,
e se te magoei tanto assim,
foi porque você deixou que assim eu o fizesse.

Deixe, amigo meu, esse seu estilo livre voar
aceite meu parnasianismo, enquanto aceito esse seu romantismo incurável.
Me aceite.
E acredite que tudo o que fiz, foi por não saber como fazer de modo diferente.

E, enfim, me perdoe, por ser nada mais que eu mesma.


quarta-feira, 27 de junho de 2012

Apenas mais uma confissão

Rasgo minhas páginas, esperando que assim você me veja melhor,
enquanto converso contigo, meus pensamentos se ajeitam dentro do seu espaço
se cutucam e acotovelam, tentando ter o seu lugar.
Cada lágrima que rola pelo meu rosto
é só mais uma angústia me deixando para trás.
Assim como Quintana deixava suas ilusões, ficando mais leve,
eu deixo que elas se vão nessa água salobra*. Respiro melhor agora.

O céu hoje estava tão mais lindo; e o azul, tão mais limpo.
E você, tão mais quente, enquanto me fazia mais feliz, somente de olhar para cima comigo
enquanto eu olho para a frente, por ti.
As árvores formavam desenhos pelo chão gramado,
contrastando com a pureza daquele céu.


E eu estava feliz. Feliz por te ter ao lado. 
Nada mais.


*Valeu, Lawisch! 

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Minha vida é minha, mesmo tendo deixado ela passar.
Ou talvez eu a tenha perdido, mesmo ainda vivendo com ela.

Imaginar que perdi as melhores coisas que poderiam me acontecer...
por simples e pura teimosia para com o universo.

Meus livro prediletos, eu não li.
E aquele filme que tanto me emocionou, foi o que eu não quis assistir
não fui ao meu show preferido, e não conheci as pessoas que iriam me apoiar até o fim.

Não tenho arrependimentos de ser quem sou, e ter a vida que sempre tive. Quem sabe onde eu estaria se algum momento tivesse sido diferente...

terça-feira, 17 de abril de 2012

Tenho fases de rebeldia, e fases de comportamento normal demais. As de rebeldia são mais divertidas, mas prefiro os dias em que eu sou eu mesma. Não é falsidade, não são mascaras ou indecisão. Eu apenas sou adaptável.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Um frasco novo de xampú

Um frasco novo de xampú, comprado no mercadinho da esquina. Menos de cinco reais, fazem a minha felicidade, enquanto leio os novos efeitos a serem aplicados aos meus cabelos, e os ingredientes que fazem isso. Achar um livro antigo, empoeirado e comido pelas traças, daqueles bons de ler. Um pão quentinho com manteiga, salada de batatas e feijão cheirando bem.
Comer e dormir quando se tem vontade. Ouvir um merecido pedido de desculpas. Brincar de lutinha, e perder todas as vezes que brinca. Jogar um vídeo game antigo, do tempo da minha infância, fazer cosplay improvisado, em casa, sem mostrar para ninguém. Pipoca com chuva, sol com frio. Carrinho de rolimã, bolita e paredes recém pintadas.
Um chocolate de formato diferente, um abraço inesperado. Deitar na grama com alguém que te quer bem. Escutar uma música que não se escuta a tempos. Deitar na cama e passar a noite olhando pro teto, pensando, pensando...
Um dia desses, as coisas e pessoas de quem eu gostava, simplesmente mudaram.
E, sabe de uma coisa? Como eu sou feliz!

sábado, 14 de abril de 2012

Não sei mais o que quero. Sei, portanto, que quero algo. Quero escrever, mas não tenho a mínima ideia do quê. Os dias estão vindo, e passando, rápidos, como se não importasse perder tantas horas com nada útil feito. 24 horas. Passadas assim, como que no piloto automático. Sorrisos extremamente mecânicos, educação e perguntas a quem não devo satisfação. De quem também não quero nenhuma satisfação.
Todos temos os dias ruins. Eles não têm nada a ver com a data, numerologia, horóscopo ou com alguma maldição, e nem com a maldita tpm, não coloque a culpa no universo que Deus criou. Talvez seja só você, com essa mania de ver tudo pelo lado ruim, ou talvez (é possível, será?) seja seu anjo que tirou férias.
Não... acho realmente que esses dias têm relação direta com o jeito com que você vai os atravessar. Apatia não gera coisas boas. Mau-humor também não. Se começou de um jeito ruim, não leve esse fato pelo restante das 24 horas que vivemos. Desperdiçar todas elas por uns 15 minutos ruins não tem sentido ou lógica nenhuma. Não é porque algo deu errado, que você vai dar uma de "foda-se essa merda" e encaminhar todo o resto para o buraco.
É uma coisa engraçada, essa de falar para as pessoas verem as coisas pelo melhor ângulo, sempre, quando nem eu mesma consigo pôr isso em prática.
Então continuamos nesse impasse. E nessa de ter nossos dias ruins, que poderiam ser apagados sem sentirmos falta nenhuma. Ou talvez, lá na frente, vejamos que não foi tão péssimo assim, que serviu para alguma coisa...

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Caminha comigo
por esses jardins que cultivamos,
e durante tantos anos
com amor eu os cuidei.

Fique junto a mim
para todo esse sempre
e se eu enfim chegar ao fim,
que meu pó seja só teu,
assim como a minha vida foi.

Agora, quando nossos cabelos já grisalhos caem
trançados pelos netos que juntos guiamos,
esbranquiçados por segurar as mãos de nossos filhos;
eu sei que minha vida foi por ti
e que somente para isso eu nasci.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Antes que rasguem todas as minhas páginas,
e me façam mergulhar dentro de qualquer história desconhecida;
Antes que eu perca minhas esperanças;
te digo que te quero, pra sempre.

Com todas as minhas forças, sei que o que mais me faz feliz está aqui,
perto e mesmo assim tão distante; ou distante, mas sempre perto.
Assim como o copo que pode sempre estar meio cheio.

Mesmo que seja para me machucar, fique
pois o branco da neve e o calor do sol me lembram você,
a limpidez do som dos sinos, tua voz,
enquanto eu só penso nos dias em que todos os minutos serão passados ao teu lado.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Dos Quintanares

A Deus, o que peço agora?
Se meus pecados não me deixarão?
Tinta para minhas canetas
Palavras para o coração.

Um amor pra vida inteira
E fluidez em meus cantares
O melhor vinho me condena
A viver a vida assim, pelos ares.

A razão do meu afeto

Quando penso pelo que vivo
Sinto que vivo pelos dias de sol, e por aqueles em que a chuva bate no telhado
fazendo o sono e o filme mais fáceis.

Vivo pelo simples motivo da vida.
Abrindo mais caminhos a cada dia.
Sou feliz pelos olhares e pela luz,que
batendo de certa forma, torna tudo inesquecível.

Sinto assim pelas minhas faltas de rima,
e pelo pôr do sol, que faz pensar em lugares distantes,
em pessoas que jamais irei conhecer.

Está aí a beleza que muitos procuram,
nas razões do meu afeto pelas coisas mais desimportantes,
que mais me fazem viver.
Um dia, depois o outro, um mês.

Corra

A sensação de estar sendo vigiado continua forte. Ele correu por dois quilômetros inteiros, e agora sente que foi inútil. Não se pode despistá-los, não se pode fugir, não adianta. Suas têmporas ainda martelam, com o fluxo de sangue agora mais rápido, e a adrenalina correndo. Não fora assim que imaginara sua morte. Sonhara em morrer em algo nobre, salvando alguém, trabalhando para o bem da comunidade, ou até mesmo em casa com a família, fogo na lareira, netos aos seus pés...
Mas não assim.
O ar gélido da noite o lembra que precisa continuar a correr. Já que começou isto, agora termine. Os passos que o perseguem agora estão mais próximos, seu único sentimento é desespero, não presta atenção para onde está indo, não pensa, só age. A corrida desenfreada o leva, sem querer, à um beco sem saída, e completamente aturdido ele procura algo em que se segurar. Uma saliência para escalar, um buraco no muro, pelo qual conseguisse se espremer, uma imagem de santo, um mendigo, qualquer coisa que pudesse se transformar em um milagre, qualquer coisa que o pudesse tirar dali.
O cheiro daquele lugar úmido e nojento, por incrível que pareça, é de pão. Pão quente e recém saído do forno, que sua mãe fazia pela manhã. O pensamento de sua mãe o traz à lembrança a época da adolescência, o perfume da mãe, a casa sempre limpa, as flores que ela tanto adorara. Lembrava-se da primeira vez que levara uma garota para conhecê-la... Mas ele precisava fugir, precisava sair dali, correr, se esconder. O que ele estava pensando, parando daquele jeito, relembrando a vida? Talvez estivesse mesmo para morrer, e aquilo fora sua vida inteira passando como um filme. Agora o som de passos o perseguindo se tornara mais alto que nunca, a coisa deveria estar ao lado dele, no escuro. Ele fechou os olhos e se preparou, imaginando como seria a morte.
Mas um som estranho, totalmente deslocado do seu pavor, como um apito agudo, o desperta, e antes que ele perceba, não está mais naquele beco escuro, está na sua cama, sentindo cheiro do pão fresco desta manhã, com o despertador apitando “a plenos pulmões” como dizia o avô, e a mãe, animada, espalhando aquele seu cheiro característico de jasmim enquanto anda pela casa, arrumando a bagunça da noite e limpando o que os filhos fizeram. Ele pensa no sonho desta noite, mas não consegue mais lembrar os detalhes, só sabe que foi estranho. Levanta e se estica, fazendo os movimentos de seu alongamento matinal. Estava atrasado para a escola.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Que deveria eu sentir
por esses mundos onde ando,
se quando vais embora
tenho caminhos desenhados em meu rosto?

Que achas que eu sinto
quando provo da água salgada
por cada palavra sua, mal dirigida a mim?

Se duvidas tanto quanto meu peito sente
e mesmo assim, eu continuo chorando,
para onde irão todas as cartas mal jogadas
no acerto de contas, afinal?

°°°

Ela rasgou os próprios pulsos.
Com dentes, garras e lâminas
alçou voo,
atingindo sua própria liberdade.

Nunca entendeu tradições,
nunca entendeu a Deus,
nem nunca foi entendida.

A vida se desenrolava
como uma estrada,
que ela já não sabia mais se queria percorrer.
Por isso, rasgou os próprios pulsos.

Heróis

Depois de tanta chuva
a escuridão me sufoca
(não vejam as marcas em meus pulsos).
Lembremos então
dos nossos heróis
que, de tão loucos,
morreram jovens
(não achem as marcas em minhas paredes)
e, de tão sábios,
fizeram de crianças como nós
anjos com mania de grandeza.

quinta-feira, 1 de março de 2012




E eu vi aquele anjo levar os dois.
Colocava suas almas, gentilmente, nos braços
e beijava-lhes a testa
enquanto meu olhar perturbado foi examinado,
como se soubesse o que tirava de mim.





Faço meu ninho onde sei que não alcança
mas, por favor, insista.
Pois sei que sentir sem saber
é o mesmo que não sentir nada.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

...

E o tempo passará.

O mundo gira,

e só o que lembraremos

serão as coisas que nos fizeram sorrir,

mesmo que por pouco mais que um segundo.



sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Um novo dia.

Novos dias, novos gostos.
Aprendemos vivendo
e vivemos apenas do aprendizado.

O preto não se distingue do branco,
Até que olhemos mais de perto,
Ou talvez de fora.

Mas o tempo passa e suaviza todos os rancores

Todas as maçãs que caíram longe da árvore,
Retornam aos seus ninhos
Arrependidas, talvez,
Mas com aquilo que foram buscar:
Outro ângulo para se olhar.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Efemeridade passageira, pleonasmo proposital.

Ele chega na estação um pouco atrasado. Devia ter perdido o último trem por pouco, pois esta encontrava-se vazia. Senta-se em um banco, daqueles velhos, danificados pelo tempo e vandalismos sofridos. O dia estava bonito, e, com todas as listas de atividades a serem feitas rodando em sua mente, ele se sentia cansado, mesmo estando acordado a apenas uma hora, aproximadamente.
Às vezes, ele pensava, as sensações de dentro e de fora eram tão contrastantes que o jovem ficava confuso, apenas por sentir. Dias bonitos não foram feitos para angústia, ou tristeza, assim como bancos novos em folha não combinariam com aquela estação caindo aos pedaços.
Agora o lugar começava a encher. Uma mulher, aparentando ser mais velha do que na realidade era, parou atrás dele, examinando os papéis que estavam no colo do jovem, como se fossem seus próprios documentos. Adolescentes cheios de piercings e bonés passavam de lá para cá, em meio à zoeira e à música nos auto-falantes dos celulares. E, de repente, ele a viu.
Era uma jovem moça, de cabelos loiros descaradamente oxigenados e presos em uma longa trança às suas costas. A pele era de um moreno-claro contrastante com os olhos, azuis e límpidos, mesmo quando vistos de longe.
Se suas cores se misturarem, os filhos terão uma pele clara e lustrosa, com cabelos cacheados e castanho-claros. A mãe dele irá adorá-la, principalmente por ela parecer uma pequena dona-de-casa, com aquele vestido florido e rodado que estava usando. Uma mistura de criança inocente com doce mulher. E seu pai ficará tão orgulhoso, que vai até pagar a lua-de-mel dos dois. Esta pode ser em Paris... não! Veneza. Ah, sim! Veneza é romântica como só ela sabe ser. Ele se casará de branco ou de preto? Cinzento. Será que cinzento pode ser usado em casamentos? (esses costumes, dão um nó na cabeça!) Ela usará branco, claro. Todos a verão como um anjo, e será o dia dela. Todo o domingo, ele a acordará com um café na cama, e passearão no parque, com a luz doce da manhã filtrada pelos galhos das árvores. Os verões serão passados no sítio da família. Eles precisam ter um sítio.
Imaginava agora as árvores frutíferas que iria plantar, quando sua atenção foi atraída pela moça novamente, agora aos beijos com um rapaz, mais alto que ele, vestindo calças coladas e tênis branco.
Ela era magra demais, de qualquer modo.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Carência

O ser humano é carente, por natureza, desde o nascimento (e se não souber se disciplinar, até a morte). Quando você saiu do útero, um lugar quentinho e calmo, sem dores, desconfortos, fome, sede, somente o aconchego do carinho e corpo materno, o sentimento de vácuo, de perda, que irá lhe acompanhar para o resto da vida, começou, ficou gravado e não sai mais de jeito nenhum. E é por isto que procuramos um amor, um emprego melhor, uma comida melhor... Não aceitamos o sentimento de perda. Ninguém aceita o fato de que não tem (ou não é) uma coisa melhor, que poderia ter (ou ser), e lá vai você outra vez, lutar pelo seu espaço no universo.

A coisa toda ajuda, claro. Impulsiona-nos à evolução. Mas o aspecto não tão bom, e que todos um dia ou outro sentirão na pele, muitas vezes sem achar bom também, é o fato de que passamos a vida toda, quer por sentimentos humanos, adquiridos desde o berço, quer por imposições da sociedade (que já foi bem pior que hoje em dia, neste aspecto), procurando a nossa ‘metade da laranja’.

Que sonho bom, um alguém que te complete totalmente, que te preencha, que mande seus defeitos e problemas embora, e te ame para todo o sempre, sendo ele(a) também uma pessoa perfeita, que você amará eternamente. Manhãs calmas e lindas, acordando ao lado de um homem jovem, belo, sem mau hálito matinal e que não roncou nenhuma vez à noite. Após o café da manhã (se bobear, servido por ele, para você, na cama), um passeio pelas ruas, à caminho da praça, uma parada para um picolé, ou um chimarrão... Almoço na casa da sua mãe (que adora ele), todos rindo e jogando canastra, completamente encantados com o quanto você está linda, e o quanto vocês formam um belo casal. À noite, jantar à luz de velas, filmes, chocolate, pipoca, vinho, dormir de conchinha... Como eu disse, um sonho.

Isso nunca acontece. Todos possuímos defeitos e problemas que não irão embora como passe de mágica, por mais felizes e satisfeitos que estejamos. Poucos casamentos duram eternamente, e quase nenhum é perfeito até a morte. Poucos dias são completamente ensolarados, poucos mares são de rosas, e se o seu for, ensine o segredo às milhares de pessoas que até hoje esperam e buscam isso.

E mais uma coisa: por que seríamos melhores, mais valorizados, só por ter um par? Não somos bons o suficiente, sozinhos? Seria isto porque não poderemos ‘procriar’ se não formos casados até os 30 anos de idade?

Ora, tomem vergonha na cara, e deixem as solteironas em paz!

Por quantas vezes mais

Engolir o nada, cheio de vazio,

Antes de deixar que rolem as lágrimas?



Às portas do seu reino

Eu espero, pacientemente.

Chorando cada lágrima,

e sentindo cada sensação

Que só eu sei sentir.



Sentada sob a chuva,

Os meus olhos te seguirão

E tua casa habitarei,

Pensando em tudo que sofri,

Fingindo não querer descansar agora.



E, como uma pedra, ser guiada pela inércia da vida,

Pelo meu próprio peso.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

E virão os sete anjos

Com suas sete taças

Juntos, pela primeira vez

Castigar-me

Por coisas das quais não me arrependi.

Porque tu és a fera

De dez chifres

Que me veste com ouro,

Que suja meu sangue mártir.

Se todas as batalhas são por poder

E todas as vitórias,

Covardias,

Não me odeie por ser quem sou

Pois todos estão errados

Inebriados com seu excesso de luxo.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Pegue suas putas e suas damas
o mundo não é mais aquele em que você viveu.
o futuro paira além do nosso alcance, deixando que seus dedos o rocem, de leve,
incerto, provocativo. Desconhecido, negro e esverdeado.

Tudo que havia
abaixo dos meus pés e acima da minha cabeça
me foi tirado, com dentes, garras e palavras.
Meus heróis estão mortos
e na escuridão dos meus olhos fechados,
o mundo gira nauseante, sem controle.

Apenas corra, e não me julgues mais,
seja justamente, ou do alto de seu pedestal.

Imagino se virá o momento
em que minhas licenças poéticas
não te machuquem,
e que meus medos não me façam parar.


Escutando "Índios- Legião Urbana"

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Papel colorido

No começo, tudo era nada. As coisas não existiam e não havia ninguém para constatar que não existiam. Ou simplesmente não existiam PORQUE não havia ninguém para ver. Então, as coisas começaram a acontecer.
Primeiro Deus criou os homens (e tudo o mais, conforme eles querem que acreditemos), então, os homens criaram ferramentas rudimentares, depois foi a vez da roda, logo após, a descoberta do fogo, e então os homens começaram a consumir não só as coisas que eles faziam, mas as coisas de seus semelhantes, colegas de espécie.
Assim foi criado o sistema de trocas de mercadorias. Se você tinha uma galinha, e precisava de farinha, você trocava a galinha por farinha com seu vizinho que precisava de uma galinha, mas tinha farinha de sobra. O problema era saber quanta farinha perfazia uma galinha, quantos ovos perfaziam um saco de arroz e quantos grãos de arroz eram precisos para se ter um Juicer Philips Walita.
Então, o homem descobriu o ouro, um metal não tão fácil de ser encontrado, e o fez precioso. Comprava-se tudo com ouro, desde uma xícara de açúcar, à uma vaca leiteira. Mas quem tinha o ouro? Qualquer um poderia ter sorte e topar com uma pepita, sem esforço algum da parte do sujeito. E mais um problema: pesar o ouro para saber quanto daquilo era preciso para uma calça leg para sua filha.
E foi assim, neste momento crucial da história e genialidade humana, que o homem inventou o dinheiro! Ouro pesado, impresso, que não pertenceria a qualquer um. Sem trabalho, sem ouro. Sem esforço, sem comida. E o dinheiro evoluiu, e evoluiu...
O dinheiro começou guerras, e acabou com elas. O dinheiro construiu escolas, e ensinou homens a matar uns aos outros sem motivos. Ergueu prédios, e destruiu famílias. O dinheiro fez mães se desfazerem de seus bebês, fez amigos pararem de se falar, fez jovens morrerem e crianças nascerem. Ele deu aos homens direito de comprar outros homens, e contratou homens para cuidar do povo, que só eram amigos do dinheiro e nada mais. Ele nos deu títulos, e nos tirou os mesmos. Ele fez tantas coisas boas, como coisas ruins.
Mas ninguém é hipócrita o suficiente para dizer que não gosta desta maravilhosa invenção, o dinheiro. Imagine você tentar, com o sistema de trocas, contratar uma prostituta.

sábado, 28 de janeiro de 2012

...

Ela não sabia que horas eram, tampouco onde estava. O que lembrava da noite anterior eram fragmentos de risos, conversas, e o que aconteceu depois daquela festa, que já havia se tornado obrigatória em sua rotina.

Algumas horas atrás (ou talvez dias, semanas, meses... afinal, quanto tempo uma pessoa poderia sobreviver sem comida ou contato humano, fechada em um lugar escuro e pequeno?) ela se divertia com amigas em um pequeno clube da capital. Sua mãe, claro, não sabia onde a filha estava, e nem se importava, afinal, mentia tanto para a pobre dona de casa, que ela já fingia que sua prole não existia, para se livrar da dor de ter criado uma, como dizia ela, “perdida”.

Mas aquela festa foi diferente. Drogas mais pesadas, gente que nunca frequentaria a escola particular e cara que os pais dela pagavam... foi na volta para casa que tudo aconteceu, e inacreditavelmente, ela lembrava-se daquela parte da noitada.

Alice foi a primeira a perceber, mas bebera mais que as amigas que a acompanhavam, e, portanto tinha os reflexos mais lentos. Todas as outras correram, mas ela acabou por deixar-se vencer. Um homem, de altura e largura descomunal, saiu de um beco que continha latas de lixo. Provavelmente estivera ali a noite inteira, somente à procura de vítimas, e encontrara a perfeita. A menina estava tão tonta que por sorte não desmaiou ao ter a desagradável surpresa. Obviamente isto não fora o suficiente para lhe dar a oportunidade de fugir, pois o homem, de jeito nojento como os motoristas de caminhão que costumavam buzinar e gritar coisas sujas quando elas e as amigas passavam, e corpulento como um jogador de futebol americano aposentado, estava preparado, com um pano embebido em uma solução que faria o mais forte dos homens desmaiar.

E agora ela acordara ali, com as roupas rasgadas e uma terrível e assustadora (mais assustadora que uma ressaca normal, com as quais já estava tão acostumada) dor de cabeça.

Sentira também uma dor na região da virilha, e, ao olhar para baixo, descobrira uma grossa e escura mancha de sangue.

Parecia que sua capacidade de assimilar os fatos a abandonara naquele momento, e suas pernas começaram a tremer e ameaçaram lhe deixar na mão, quando a ideia de estupro passou por sua cabeça.

Acontece que coisas ruins nunca acontecem com ela, somente com pessoas menos espertas, jovens e bonitas. Pessoas que vivem na miséria e que têm suas casas alagadas todo o ano pelas chuvas da época. Mas ela era melhor que isso, era especial demais para ter esta experiência em sua ficha.

Fechou os olhos e comprimiu a boca ao pensar nisso. Não era possível, ela ainda deveria estar bêbada, e agora estava tendo ilusões.

Mas não adiantava tentar. As dores eram reais demais para serem ilusões, não conseguia enganar-se.

Sua mãe!_ pensou ela, com uma pontinha de esperança_ sua mãe certamente iria procurar por ela. Deveria estar procurando neste momento, afinal, que mãe não ficaria desesperada ao perceber que a filha não voltara para casa?

Mas esta ideia foi embora, assim que ela percebeu que fizera isto tantas vezes_ passava semanas fora de casa, sem explicações coerentes, a não ser “minha melhor amiga agora tem uma casa de praia”_ que nem mesmo a mãe mais coruja e super protetora daria atenção ao evento.

As amigas! Elas a viram sumindo, estavam lá quando fora sequestrada!

Mas correram para livrar-se, e deveriam estar com tanto medo que não avisariam a polícia. Afinal, nenhuma delas tinha a ficha completamente limpa, eram adolescentes “soltas no mundo”, vivendo seus dias de rebeldia como se tudo fosse acabar amanhã.

Estava realmente perdida. Seu estômago se embrulhou ainda mais quando pensou que aquele homem poderia voltar para saciar-se mais um pouco. Afinal, se ele não a quisesse mais, ela estaria em liberdade a esta hora.

Seus olhos começavam a acostumar-se com a escuridão, e agora ela percebia que o lugar onde estava era um pequeno quarto sujo e com venezianas apertadas que não deixavam passar muita luz. Não havia cama lá, nem nada, e ela pensou como aquele enorme homem havia conseguido entrar naquele cubículo pequeno e sujo. Talvez ele só a tivesse jogado ali depois, para morrer de fome, enquanto procurava outra vítima qualquer.

Neste momento, ela escuta um ruído alto, perto. A porta se escancara de repente, e ela vê surgir um garoto, magro e alto, com a aparência de, no máximo, 17 anos.

_Me desculpa por isto_ dia o rapaz, que, surpreendentemente, tem uma voz fina e parece incapaz de fazer mal a uma mosca. _Meu patrão tem impulsos desvairados, e não consegue ser contrariado. Venha se limpar e irá para casa, ele saiu e darei um jeito de tirar você daqui._ disse, estendendo a mão fina e branca a ela.

Alice aceitou de bom grado o convite, afinal, ela estava em uma situação que dificilmente poderia piorar, o que tinha a perder? E viu-se sendo conduzida por um pátio comprido e muito bem cuidado, onde o quarto pequeno e opressor que estava era somente um pequeno detalhe que sujava o gramado. Uma casa enorme erguia-se a sua frente, majestosa e branca como um hospital particular, ou um templo de religiões que ela não sabia o nome.

Para sua surpresa, o criado levou-a para dentro da casa, passando pela cozinha onda havia três mulheres cozinhando, costurando e assistindo uma tv minúscula que ficava tão alta que a mulher que se ocupava desta tarefa mantinha o pescoço apoiado no encosto da cadeira, para evitar dores. As mulheres olharam para ela com nojo e desprezo quando ela entrou, talvez, pensou ela, porque deveria estar imunda, manchada de sangue que o dono daquela casa havia lhe tirado.

_Não ligue para elas_ o rapaz lhe falava, enquanto eles saíam da cozinha em direção ao saguão mais formal que ela já havia visto._ Odeiam quando seu marido traz uma desconhecida para casa, quer a moça tenha vindo de bom grado, ou tenha sido arrastada, como você. Sentem-se ultrajadas por não conseguirem mais satisfazer o patrão.

_Todas elas são esposas Dele?_ espantou-se ela, pensando que deveriam ser muçulmanas, para ter os costumes que tinham.

_Elas e mais cinco, todas vivendo aqui, com ele, nenhuma com filhos. São para cozinhar e fazer todas as vontades dele. E, principalmente, para o sexo.

Começava a ficar mais assustada ainda, com medo do “patrão” chegar em casa quando ela ainda estava lá. Com medo de ser forçada a ser a nova esposa daquele homem desprezível e nojento. Mas, interrompendo seus pensamentos, o empregado abre uma porta, revelando um lustroso banheiro, branco como o resto da casa. Roupas esperavam por ela sobre a pia, e toalhas brancas e felpudas descansavam sobre o box.

_Tome seu banho, eu a levarei para casa. Espero que você esteja bem o suficiente para não precisar de um médico. Entenda, seria melhor para todos, inclusive para você, que não contasse a ninguém. O patrão tem influência, nunca seria preso nem processado, e ainda por cima, iria atrás de você, e a faria ficar de boca fechada. E, claro, cortaria minha garganta, por eu não ter conseguido te convencer a ficar quieta...

Fechando a porta as suas costas, o rapaz saiu, deixando-a sozinha e mais apavorada do que estava ao descobrir o sangue que agora secara, na parte de dentro de suas pernas.

Tratou de tomar logo o banho, o mais rápido possível. Não aguentava mais ficar naquela casa, lembrar daquilo, tinha medo de tudo o que estava ao seu redor.

20 minutos depois de ser deixada só, no banheiro, ela desceu as escadas, surpreendendo o rapaz a esperando no saguão, pronto para lhe levar para casa.

_Isto deve ser seu_ disse ele, entregando à ela seus pertences (um celular sem bateria e uma carteira praticamente vazia). _Vamos logo.

Saíram para a frente da casa, onde o motorista os esperava com o carro. Era incrível como todos a olhavam com pena e compaixão_ tirando, claro, as esposas, que deveriam saber bem o que era passar por aquilo, até mais que ela._ como se até mesmo os vizinhos soubessem o que haviam feito com ela.

Alice entrou no carro, logo atrás do empregado. Antes de perceber, estava em casa, sem saber se cochilara ou entrara em um estado de transe, e nem como o motorista sabia onde ela morava. E nunca ficou sabendo.

As amigas nunca mais falaram sobre isto, ela nunca mais viu nem o homem, nem o empregado, e, alguns anos depois, ainda se perguntava se tudo aquilo não havia passado de um simples sonho.

Pressa

Era um dia quente, já no fim do verão. O calor a incomodava um pouco, mas era um compromisso urgente e inadiável, ela não poderia chegar atrasada, por isso caminhava rápido. Sua camiseta já grudava ao corpo nas costas, e os cabelos estavam encharcados na nuca.

O dia estava, sem exageros, lindo. O jeito como o sol batia nas folhas das árvores faria qualquer um parar, boquiaberto. As sombras na estrada e os campos à direita fariam qualquer um suspirar e agradecer por poder estar ali e ver aquilo tudo. Qualquer um, menos a menina que quase corria para chegar a um destino desconhecido aos que a observavam.

Destacando-se na paisagem tão bonita, um homem cambaleava. Não estava mal vestido, na verdade parecia ter saído de seu próprio casamento. Ele se debruçava nas lixeiras das ruas, tentando recuperar o equilíbrio, com uma expressão tão triste quanto a sujeira grudada nas vestes chiques poderia sugerir.

Mas ela não notou. Não notou a tristeza do homem, nem a beleza da paisagem, nem o riso das crianças que brincavam por perto, nem o vento refrescante que soprava. Ela mal notava o calor. Precisava chegar cedo, precisava ir rápido.

Ela não notou o caminhão que vinha em sua direção, acelerado demais para parar.

Ela não notou o homem, que gritava para avisar.

Ela não notou quando as crianças pararam de rir, nem quando o sol parou de brilhar. Ela não notou quando tudo silenciou, nem quando tudo escureceu. Ela não notou.

Ela só queria chegar logo.

Aqui

Aqui
onde homens
são homens de verdade,
e mulheres
gentis, guerreiras e fiéis.

e o gaúcho,
enrolando seu fumo
e passando seu mate
é feliz.

Aqui,
como tantas e tantas famílias
e outras tantas
e tantas histórias.

e a grama
que cresce e faz barulho
é mais verde
e mais verdadeira.

Aqui
onde tudo é mais carnal
braçal e humano,
menos eletrônico
que fora desse fim-de-mundo,
que eu chamo, paraíso.

Só espero por ti.

Sentada sozinha,
através da fumaça
e do cheiro espesso
de álcool e cigarros.

O tempo passa devagar
enquanto olho a porta,
esperando que você passe por ela.

A luz baixa
me cega agora,
e a música alta
confunde todos os meus sentidos.

E eu só penso
naquele tempo
e naquela música
que desde sempre, é meu som preferido.

As horas continuam,
se arrastam
através das minhas mágoas antigas
e eu só espero por você.

Minha bebida acabou
e as desculpas, e as mentiras,
acabaram com ela.

Onde está meu disco preferido?
Onde eu estou?