segunda-feira, 9 de abril de 2012

Corra

A sensação de estar sendo vigiado continua forte. Ele correu por dois quilômetros inteiros, e agora sente que foi inútil. Não se pode despistá-los, não se pode fugir, não adianta. Suas têmporas ainda martelam, com o fluxo de sangue agora mais rápido, e a adrenalina correndo. Não fora assim que imaginara sua morte. Sonhara em morrer em algo nobre, salvando alguém, trabalhando para o bem da comunidade, ou até mesmo em casa com a família, fogo na lareira, netos aos seus pés...
Mas não assim.
O ar gélido da noite o lembra que precisa continuar a correr. Já que começou isto, agora termine. Os passos que o perseguem agora estão mais próximos, seu único sentimento é desespero, não presta atenção para onde está indo, não pensa, só age. A corrida desenfreada o leva, sem querer, à um beco sem saída, e completamente aturdido ele procura algo em que se segurar. Uma saliência para escalar, um buraco no muro, pelo qual conseguisse se espremer, uma imagem de santo, um mendigo, qualquer coisa que pudesse se transformar em um milagre, qualquer coisa que o pudesse tirar dali.
O cheiro daquele lugar úmido e nojento, por incrível que pareça, é de pão. Pão quente e recém saído do forno, que sua mãe fazia pela manhã. O pensamento de sua mãe o traz à lembrança a época da adolescência, o perfume da mãe, a casa sempre limpa, as flores que ela tanto adorara. Lembrava-se da primeira vez que levara uma garota para conhecê-la... Mas ele precisava fugir, precisava sair dali, correr, se esconder. O que ele estava pensando, parando daquele jeito, relembrando a vida? Talvez estivesse mesmo para morrer, e aquilo fora sua vida inteira passando como um filme. Agora o som de passos o perseguindo se tornara mais alto que nunca, a coisa deveria estar ao lado dele, no escuro. Ele fechou os olhos e se preparou, imaginando como seria a morte.
Mas um som estranho, totalmente deslocado do seu pavor, como um apito agudo, o desperta, e antes que ele perceba, não está mais naquele beco escuro, está na sua cama, sentindo cheiro do pão fresco desta manhã, com o despertador apitando “a plenos pulmões” como dizia o avô, e a mãe, animada, espalhando aquele seu cheiro característico de jasmim enquanto anda pela casa, arrumando a bagunça da noite e limpando o que os filhos fizeram. Ele pensa no sonho desta noite, mas não consegue mais lembrar os detalhes, só sabe que foi estranho. Levanta e se estica, fazendo os movimentos de seu alongamento matinal. Estava atrasado para a escola.

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