segunda-feira, 1 de julho de 2013

Estranho



   Encontrei-o em um ônibus lotado; fazendo uma quase reverência para que eu entrasse antes, como estava fazendo com todas as mulheres da fila. Sorri para ele, porque adoro atitudes e pessoas assim, e adoro de verdade a simpatia que ele exalava e a alegria que sempre me dá em encontrar esse tipo de sujeito pelo caminho. Conversamos muito e jogamos toda a conversa fora. E eu tive a certeza de que tinha feito um novo amigo.
   Poderia ter pedido seu endereço de e-mail ou nome nas redes sociais, mas uma amizade feita assim deve ser mantida longe de qualquer futilidade ou engembração maior do que o simples acaso do encontro em um ônibus lotado. Só sei seu primeiro nome: Eduardo. Mas talvez saiba mais sobre seu caráter do que sei sobre os dos meus colegas de todos os dias e de alguns amigos. Que tipo de pessoa se aproximaria tão alegremente de alguém que não tem nada a oferecer naquele momento, sem qualquer tipo de interesse, sem segundas intenções? Quem seria tão simpático e generoso com todos a sua volta sem ao menos conhecer aquelas pessoas, e sabendo que talvez nunca mais vá encontrá-las? Somente uma pessoa boa, muito boa. Tão boa, que talvez às vezes seja chamada de louco.
   E desci do ônibus assim, feliz por aquela conversa de cinco minutos ou um pouco mais, sabendo que lembraria por muito tempo daquela beleza tão escondida embaixo das roupas simples, mas que transbordava com seu sorriso, e do cheiro de passarinho quando canta, de sol quando acorda, ou, se preferir, de pessoa que ajuda os outros.

Pesos



                Eu sempre quis ser forte. Admirava aquelas mulheres capazes de tudo, que pareciam não sofrer e de forma alguma se entregavam as suas fraquezas na hora de ir à luta. Sempre quis ter a força de vontade de me erguer diante de qualquer situação, e superar qualquer coisa, como minha mãe, que não pára enquanto as coisas não dão certo e não cansa de trabalhar nunca, nem refuga um serviço extra. Invejo as pessoas que não choram, mas caminham e continuam apesar de qualquer coisa.
                Dito isto, digo também que, por não ser assim forte, sinto-me um peso morto nos momentos em que mais precisam de mim. Vejo tantos amigos perderem pessoas próximas e importantes e continuarem a sorrir e a usar o humor que têm e o trabalho que aparecer para amenizar a dor que sentem, e eu, quando na mesma situação, só consigo abraçar os próprios joelhos e chorar desesperadamente por horas, achar que o mundo não tem mais sentido e que nunca mais vai haver quem me compreenda. Quando minha família precisa de consolo e esperança, precisam buscar em outros, pois se preciso amenizar o desespero de alguém, acabo tomando para mim esse sentimento e piorando as coisas. De nada adianta ser fraca e frágil, e nem delicada, a não ser que você esteja querendo ser uma bailarina. Se bem que ouvi dizer que essas precisam de muita força para dançar bem de verdade.
                Agora, vem se aproximando a cirurgia da minha avó (vulgo Nona) e o peso morto volta a ser evidenciado, quando todo mundo já sabe tanto disso que dispensa minha ajuda para qualquer coisa. É uma intervenção perigosa, essa que a Nona vai sofrer, e ela precisará de todo apoio e dedicação dos familiares na recuperação pós-cirurgica, que provavelmente se dará na minha própria casa. Não poderão contar comigo para enfermeira. Não que eu não queira (e quero muito, o máximo possível, ajudar nisso) mas é que eu não sou muito boa em manter a calma diante do sofrimento alheio - nem do meu próprio - e em pensar com clareza quando a situação me exige uma ação rápida (além de sofrer repentinas quedas de pressão quando vejo sangue).
                E essa é uma das razões pelas quais eu gostaria de ser forte e enérgica, calma e imperturbável: para deixar de ser um peso morto e frágil, e poder carregar um pouco mais nas próprias costas. Quem sabe assim não livraria um pouco os outros de pesos como eu.

sábado, 16 de março de 2013

Maturidade


Hoje me dou conta do quanto cresci e evoluí ao longo dos últimos anos. Olho pra trás e lá estou, uma menina boba, que acreditava em tudo o que me diziam, que achava pessoas que não mereciam, geniais. Que não sabia onde queria chegar, e tinha certeza que não chegaria a um lugar muito bom.

E lá, a adolescente tentando parecer má, achando que a vida ia passar sem nenhuma diversão caso não fizesse nada. Não querendo encarar que seus atos refletiam em que ela era, e no que a vida a devolvia. Chateada por causa das muitas coisas que tinha que fazer sem vontade, esperando a permissão da mãe para ir nas muitas festas para a qual era convidada, brava por nunca poder ir a nenhuma. Utilizando mal todas as novidades que chegavam às suas mãos, entendendo tudo errado, sonhando sonhos inconsequentes, com opiniões errôneas e mal baseadas, achando que só quem estava certa era eu.

Às vezes, é verdade, sinto como se agora eu fosse uma velha. Não peço mais para ir às festas, não tenho mais vontade. Aos convites, respondo simpática com uma promessa de que vou ver se posso, se consigo ir. Nunca vejo.

Mas agora, percebo coisas importantíssimas que não percebia na época. Me vejo no espelho e tenho a faca e o queijo em minhas mãos, e pessoas que me ensinam como usá-los. Recebi as melhores oportunidades que a vida poderia me dar para aprender, e talvez não as tenha utilizado de forma correta. O amor, que eu achava que nunca iria chegar, acabou me encontrando, zonza e perdida, e me ensinou tanta coisa... Me amadureceu pelo simples fato de estar ao meu lado, me mostrando o seu modo de pensar.

Refinei minhas escolhas de amigos, aprendi que mais não é sempre melhor. Aprendi, também, que não é vivendo a vida das heroínas dos livros que até hoje devoro (uma das coisas que não mudou, e que talvez sempre tenha sido parte da minha personalidade) que vou encontrar a felicidade; e que posso realizar coisas fantásticas se a preguiça me deixar de lado, ela quase humana, eu quase coisa.

Errei em muitas coisas pelo caminho, e até hoje ainda erro. Peço desculpas aos que machuquei enquanto aprendia a viver, e aos projetos que deixei para trás, para seguir em busca de avanços e de coisas melhores. Mas não posso deixar de agradecer à todas essas pessoas que me fizeram perceber que a maturidade ainda não me havia alcançado, e que eu deveria correr para buscá-la.

sábado, 9 de março de 2013

09.03.2013


Estava eu um belo dia, tranquilamente chegando em casa, tarde da noite, depois de ir à casa de uma tia minha. Ela precisava de ajuda com seu novo aparelho de chá, e eu era a pessoa mais indicada.
Mal entro na garagem e me deparo com um sofá amarelo, que antes não se encontrava lá, e do qual eu não lembrava de modo algum. Sobre o sofá, sentavam-se duas mulheres, lindas tal qual afrodite, das quais também não tinha nenhum conhecimento. Mesmo sem conhecê-las, entro na garagem calmamente e sento-me junto a elas, naquele sofá estranho. Não sei, parando a analisar agora, onde estava com a cabeça, mas juro que fui lá conversar com duas desconhecidas que entraram em minha casa à noite e sem o meu conhecimento.
Imaginem minha surpresa quando as duas mulheres, ao sorrirem para mim, envocam um mar de aranhas que me cobrem por inteiro: rosto, braços, pernas... o corpo todo. Mal podia me mover. Sinto algo estranho debaixo daquelas aranhas, como se elas estivessem me picando tanto que eu nem sentia mais dor alguma. Tão de repente quanto elas vieram, foram embora.
Quando me vi descoberta daquele enxame de aranhas, percebi que em mim algo mudara. Da parte de baixo das minhas costas, onde antes se encontrava meu traseiro, saíam tentáculos e pernas de aranha, como se eu tivesse me tornado uma. Era uma visão nojenta, e quando levantei meus olhos, percebi que as duas moças que estavam no sofá também tinham aquilo, e que haviam se juntado a elas mais uma, um pouco mais nova e menos bonita.
Então elas me explicaram como funcionavam as coisas.
As duas mulheres iniciais eram chefes de um grupo que manipulava aranhas através de uma maldição, e que precisavam recrutar  mais meninas para a "gang" pois caso contrário sofreriam elas mesmas a maldição. Estavam me aliciando, e eu precisava ir atrás de mais moças. Os tentáculos iriam diminuir quando eu atingisse um número X de vítimas, até que sumissem. Nesse ponto eu poderia ir para casa e conviver com meus familiares e amigos, mas deveria continuar a missão.
Elas me mantiveram em cativeiro durante dias, dentro da minha própria garagem (que eu não sei como minha família não viu que eu estava bem ali). Eu não queria fazer vítimas, e chorava todos os dias, sem poder ver meus pais nem ninguém.
E foi nesse ponto que eu acordei.

Gaia


   Gaia ia ser Mariana, mas Gaia é forte, segura, presente. Ela não tem medo de nada, mas tem medo de trovão. Quando chove, quer brincar na rua, quer tomar banho de chuva; mas quando ouve os brados dos raios que caem ao longe, corre e se agarra a mim, geme "mamãe" e se encolhe no meu colo.
   Gaia é aquela menina que desde muito cedo dá vida à casa onde entra, quase sempre correndo. Responde às gracinhas dos tios com modos malcriados, mas ninguém liga porque ela é adorável. Não gosta que falem com ela de brincadeira, e quando quer, quer.
   Ela também adora valsa, assim como eu. Nós costumamos dançar muito, na sala de estar, de meias e pijamas. Quando acaba uma música, o tempo para, até que outra recomece. Ela fica como uma estátua, sem mexer sequer os olhos, e exige que façamos assim também.
   Não é influenciável como outras crianças. Às vezes, não parece ter a idade que tem. Mas briga com alguém e esquece fácil, não guarda rancor nem por dez minutos.
   Quando gosta, gosta. Quando não gosta, não interessa quem fale o quê, continua a não gostar. E ela gosta dos Mutantes que eu escuto todo o dia, e pula corda e corre dentro de casa, apesar dos meus protestos. Ela gosta de bichinhos de pelúcia, das músicas infantis e dos Rolling Stones. Nós comemos pipoca toda a quarta-feira, pela tarde. Todo o sábado vamos ao cinema e comemos chocolate. Gaia gosta de comer fruta direto do pé, e gosta de comer com a mão, sem garfo ou guardanapo.
   Gaia ia se chamar Mariana. Mas ela não é céu, ela é terra: Forte e estável.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Duas


Dentro de mim existem duas pessoas. Não são o bem e o mal, nem o homem e a mulher. Dentro de mim existem uma menininha e um mulherão.
A menininha faz somente o que lhe é mandado, só quando é mandada. Não tem voz ativa nem proatividade em nada, e espera sempre por os outros fazerem o trabalho mais difícil, e o mais fácil também. Na verdade, ela nunca quer fazer nada que necessite trabalho ou que faça com que outras pessoas a vejam. Além de tímida, é preguiçosa.
 Claro que a menininha também tem características boas. Ela é a melhor amiga e ouvinte que se pode ter notícias. Tem um ombro confortável e aguenta carregar o peso das dores e problemas de todos, além dos dela mesma, sem reclamar ou pensar mal daquilo. Ela é calma e as crianças a adoram, mas claro que somente quando nenhum dos pais está olhando, pois só aí ela se solta. Ela é toda meiga e cuidadosa, tanto no físico como no contato emocional com as pessoas. É sonhadora, e sonha até demais. Não sabe ao certo o que quer para o futuro, e vive com medos de onde ela vai parar.
Já o mulherão tem atitude. Faz todo o trabalho necessário antes que as pessoas pensem que existe trabalho a fazer. Não delega funções por puro prazer de fazer todas as coisas, mas quando precisa delega-las, ela faz isso sem nenhum receio. Essa parte de mim sabe exatamente o que quer para o futuro, e tem toda a certeza do mundo de que vai conseguir. Confia cegamente em si mesmo e em sua capacidade, mas quando faz algo, dá o seu melhor (o que não quer dizer que o seu melhor é sempre o suficiente e que ela nunca falha). É mandona e sempre quer holofotes sobre ela, e é exatamente por isso que está sempre tentando ser a primeira a se inscrever em atividades ou lideranças. Aliás, ela é uma líder nata.
É aquela pessoa que não pensa duas vezes antes de gargalhar ou contar alguma piada, ou antes de dizer “algumas verdades” a um amigo. O namorado dela a admira, mas tem receio por ela sempre tentar ser tão controladora. É nervosa, e quer sempre tudo a sua maneira. Se algo não funciona ou não segue seus roteiros, ela perde a cabeça.
Uma calma e tímida outra nervosa e extrovertida. Uma quer letras, outra direito, política ou qualquer coisa que possa ajudar e mexer com pessoas.
Por vezes, sinto que a menininha acalma o mulherão. Essa, por sua vez, fica furiosa, mas a raiva é abafada por algo muito belo ou meigo que a menina quer me mostrar. E outras vezes, o mulherão impulsiona a menininha, não a dando tempo nem para pensar ou protestar contra algo. Ela simplesmente me empurra em direção a alguma coisa, geralmente a fazer algo improvisado, para o qual a meiguinha não estava preparada, ou a assumir algum compromisso ou liderança séria, que ela não sabe ao certo se quer. A menininha olha assustada para o mulherão, tenta o mais disfarçadamente que pode articular com a boca, mas sem proferir sons: “você está louca?” E lá vai ela, de olhos arregalados, sendo empurrada em direção ao desconhecido.
Tem dias que sou uma, e tem dias que sou outra. Nunca se sabe qual virá. Só se espera que seja a adequada ao momento.

Elizabete


   Elizabete, uma pacata dona de casa, pensava em se separar do marido. As brigas andavam muito frequentes, e ele já não era mais o mesmo. Não tinham filhos, portanto nada impedia o rompimento do não mais romance. Além disso, tinha quase certeza de que Rodrigo tinha um caso. Não que ela tivesse encontrado cabelos ou manchas de batom, chupões e etc., mas ele andava satisfeito demais, sem razão nenhuma.
   Não sabia se era somente isso, ou se ela se cansara de ser a mulherzinha que fica só em casa cuidando do marido, que chega do trabalho, joga a cueca no chão e some com o dinheiro sem que ela veja sequer a cor do dito (mais um motivo para acreditar na existência de uma amante).
   Estava apenas esperando o momento certo. Precisava ter um motivo real, apenas desconfianças ou um amor já acabado não seriam o suficiente, nem para ele e nem para sua família, que ficaria chateadíssima ao receber a notícia.
   Dona Bete e Seu Ricardo já não viviam um mar de rosas, mas isso não aparentava a quem olhasse de fora. Todos os dias pela manhã ela lhe servia o café, ele saía de casa e era um tal de “Bom trabalho” e “Até mais tarde” e beijinhos que a faziam crer que estava tudo bem, por poucos segundos de uma manhã cinzenta. Porém, no fundo ela sabia que não existia mais chances das coisas voltarem a ser como antes, nos tempos de recém-casados. Era triste jogar uma relação de quase dez anos fora, mas se era preciso, isso mesmo que ela iria fazer.
   Certa noite, o marido volta especialmente cansado do trabalho. Cabelos e terno amarrotados. Ela teve a certeza de que ele estava com a amante, e resolveu terminar com aquilo ali mesmo: iria anunciar que queria o divórcio durante o jantar.
   Ao se sentar a mesa, notou que o homem havia depositado uma pequena caixa de presente sobre o tampo. Ele estava sentado ao seu lado, mas não parecia tomar conhecimento da caixa. Se fosse alguma evidência, tanto melhor para ela. Se não fosse, ele não tinha o que esconder. E ela abriu a pequena caixa achatada e azul.
   Dentro havia duas alianças, e acima delas, encaixado de forma a formar um triângulo e não sair do lugar, o menor chocalho de prata que ela já havia visto. Na tampa da caixa, na parte de dentro, um bilhete: “Para a mulher mais linda do mundo. As alianças são para nós renovarmos nosso amor. O chocalho é para o bebê que virá nos renovar.”.
   E ela voltou a acreditar no amor e no próprio casamento. Alguns meses mais tarde, anunciou a chegada do bebê a toda a família. E a vida voltou a ser como de uma recém-casada. Pelo menos até o bebê nascer.

   Moral da história: Se você sabe quem é a mulher da sua vida, faça com que ela se apaixone todos os dias por você. Joias sempre ajudam.