Dentro de mim existem duas pessoas. Não são o bem e o mal,
nem o homem e a mulher. Dentro de mim existem uma menininha e um mulherão.
A menininha faz somente o que lhe é mandado, só quando é mandada.
Não tem voz ativa nem proatividade em nada, e espera sempre por os outros
fazerem o trabalho mais difícil, e o mais fácil também. Na verdade, ela nunca
quer fazer nada que necessite trabalho ou que faça com que outras pessoas a
vejam. Além de tímida, é preguiçosa.
Claro que a menininha
também tem características boas. Ela é a melhor amiga e ouvinte que se pode ter
notícias. Tem um ombro confortável e aguenta carregar o peso das dores e
problemas de todos, além dos dela mesma, sem reclamar ou pensar mal daquilo.
Ela é calma e as crianças a adoram, mas claro que somente quando nenhum dos
pais está olhando, pois só aí ela se solta. Ela é toda meiga e cuidadosa, tanto
no físico como no contato emocional com as pessoas. É sonhadora, e sonha até
demais. Não sabe ao certo o que quer para o futuro, e vive com medos de onde
ela vai parar.
Já o mulherão tem atitude. Faz todo o trabalho necessário
antes que as pessoas pensem que existe trabalho a fazer. Não delega funções por
puro prazer de fazer todas as coisas, mas quando precisa delega-las, ela faz isso
sem nenhum receio. Essa parte de mim sabe exatamente o que quer para o futuro,
e tem toda a certeza do mundo de que vai conseguir. Confia cegamente em si
mesmo e em sua capacidade, mas quando faz algo, dá o seu melhor (o que não quer
dizer que o seu melhor é sempre o suficiente e que ela nunca falha). É mandona
e sempre quer holofotes sobre ela, e é exatamente por isso que está sempre
tentando ser a primeira a se inscrever em atividades ou lideranças. Aliás, ela
é uma líder nata.
É aquela pessoa que não pensa duas vezes antes de gargalhar
ou contar alguma piada, ou antes de dizer “algumas verdades” a um amigo. O
namorado dela a admira, mas tem receio por ela sempre tentar ser tão
controladora. É nervosa, e quer sempre tudo a sua maneira. Se algo não funciona
ou não segue seus roteiros, ela perde a cabeça.
Uma calma e tímida outra nervosa e extrovertida. Uma quer
letras, outra direito, política ou qualquer coisa que possa ajudar e mexer com
pessoas.
Por vezes, sinto que a menininha acalma o mulherão. Essa, por
sua vez, fica furiosa, mas a raiva é abafada por algo muito belo ou meigo que a
menina quer me mostrar. E outras vezes, o mulherão impulsiona a menininha, não
a dando tempo nem para pensar ou protestar contra algo. Ela simplesmente me
empurra em direção a alguma coisa, geralmente a fazer algo improvisado, para o
qual a meiguinha não estava preparada, ou a assumir algum compromisso ou
liderança séria, que ela não sabe ao certo se quer. A menininha olha assustada
para o mulherão, tenta o mais disfarçadamente que pode articular com a boca,
mas sem proferir sons: “você está louca?” E lá vai ela, de olhos arregalados,
sendo empurrada em direção ao desconhecido.
Tem dias que sou uma, e tem dias que sou outra. Nunca se
sabe qual virá. Só se espera que seja a adequada ao momento.