quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Duas


Dentro de mim existem duas pessoas. Não são o bem e o mal, nem o homem e a mulher. Dentro de mim existem uma menininha e um mulherão.
A menininha faz somente o que lhe é mandado, só quando é mandada. Não tem voz ativa nem proatividade em nada, e espera sempre por os outros fazerem o trabalho mais difícil, e o mais fácil também. Na verdade, ela nunca quer fazer nada que necessite trabalho ou que faça com que outras pessoas a vejam. Além de tímida, é preguiçosa.
 Claro que a menininha também tem características boas. Ela é a melhor amiga e ouvinte que se pode ter notícias. Tem um ombro confortável e aguenta carregar o peso das dores e problemas de todos, além dos dela mesma, sem reclamar ou pensar mal daquilo. Ela é calma e as crianças a adoram, mas claro que somente quando nenhum dos pais está olhando, pois só aí ela se solta. Ela é toda meiga e cuidadosa, tanto no físico como no contato emocional com as pessoas. É sonhadora, e sonha até demais. Não sabe ao certo o que quer para o futuro, e vive com medos de onde ela vai parar.
Já o mulherão tem atitude. Faz todo o trabalho necessário antes que as pessoas pensem que existe trabalho a fazer. Não delega funções por puro prazer de fazer todas as coisas, mas quando precisa delega-las, ela faz isso sem nenhum receio. Essa parte de mim sabe exatamente o que quer para o futuro, e tem toda a certeza do mundo de que vai conseguir. Confia cegamente em si mesmo e em sua capacidade, mas quando faz algo, dá o seu melhor (o que não quer dizer que o seu melhor é sempre o suficiente e que ela nunca falha). É mandona e sempre quer holofotes sobre ela, e é exatamente por isso que está sempre tentando ser a primeira a se inscrever em atividades ou lideranças. Aliás, ela é uma líder nata.
É aquela pessoa que não pensa duas vezes antes de gargalhar ou contar alguma piada, ou antes de dizer “algumas verdades” a um amigo. O namorado dela a admira, mas tem receio por ela sempre tentar ser tão controladora. É nervosa, e quer sempre tudo a sua maneira. Se algo não funciona ou não segue seus roteiros, ela perde a cabeça.
Uma calma e tímida outra nervosa e extrovertida. Uma quer letras, outra direito, política ou qualquer coisa que possa ajudar e mexer com pessoas.
Por vezes, sinto que a menininha acalma o mulherão. Essa, por sua vez, fica furiosa, mas a raiva é abafada por algo muito belo ou meigo que a menina quer me mostrar. E outras vezes, o mulherão impulsiona a menininha, não a dando tempo nem para pensar ou protestar contra algo. Ela simplesmente me empurra em direção a alguma coisa, geralmente a fazer algo improvisado, para o qual a meiguinha não estava preparada, ou a assumir algum compromisso ou liderança séria, que ela não sabe ao certo se quer. A menininha olha assustada para o mulherão, tenta o mais disfarçadamente que pode articular com a boca, mas sem proferir sons: “você está louca?” E lá vai ela, de olhos arregalados, sendo empurrada em direção ao desconhecido.
Tem dias que sou uma, e tem dias que sou outra. Nunca se sabe qual virá. Só se espera que seja a adequada ao momento.

Elizabete


   Elizabete, uma pacata dona de casa, pensava em se separar do marido. As brigas andavam muito frequentes, e ele já não era mais o mesmo. Não tinham filhos, portanto nada impedia o rompimento do não mais romance. Além disso, tinha quase certeza de que Rodrigo tinha um caso. Não que ela tivesse encontrado cabelos ou manchas de batom, chupões e etc., mas ele andava satisfeito demais, sem razão nenhuma.
   Não sabia se era somente isso, ou se ela se cansara de ser a mulherzinha que fica só em casa cuidando do marido, que chega do trabalho, joga a cueca no chão e some com o dinheiro sem que ela veja sequer a cor do dito (mais um motivo para acreditar na existência de uma amante).
   Estava apenas esperando o momento certo. Precisava ter um motivo real, apenas desconfianças ou um amor já acabado não seriam o suficiente, nem para ele e nem para sua família, que ficaria chateadíssima ao receber a notícia.
   Dona Bete e Seu Ricardo já não viviam um mar de rosas, mas isso não aparentava a quem olhasse de fora. Todos os dias pela manhã ela lhe servia o café, ele saía de casa e era um tal de “Bom trabalho” e “Até mais tarde” e beijinhos que a faziam crer que estava tudo bem, por poucos segundos de uma manhã cinzenta. Porém, no fundo ela sabia que não existia mais chances das coisas voltarem a ser como antes, nos tempos de recém-casados. Era triste jogar uma relação de quase dez anos fora, mas se era preciso, isso mesmo que ela iria fazer.
   Certa noite, o marido volta especialmente cansado do trabalho. Cabelos e terno amarrotados. Ela teve a certeza de que ele estava com a amante, e resolveu terminar com aquilo ali mesmo: iria anunciar que queria o divórcio durante o jantar.
   Ao se sentar a mesa, notou que o homem havia depositado uma pequena caixa de presente sobre o tampo. Ele estava sentado ao seu lado, mas não parecia tomar conhecimento da caixa. Se fosse alguma evidência, tanto melhor para ela. Se não fosse, ele não tinha o que esconder. E ela abriu a pequena caixa achatada e azul.
   Dentro havia duas alianças, e acima delas, encaixado de forma a formar um triângulo e não sair do lugar, o menor chocalho de prata que ela já havia visto. Na tampa da caixa, na parte de dentro, um bilhete: “Para a mulher mais linda do mundo. As alianças são para nós renovarmos nosso amor. O chocalho é para o bebê que virá nos renovar.”.
   E ela voltou a acreditar no amor e no próprio casamento. Alguns meses mais tarde, anunciou a chegada do bebê a toda a família. E a vida voltou a ser como de uma recém-casada. Pelo menos até o bebê nascer.

   Moral da história: Se você sabe quem é a mulher da sua vida, faça com que ela se apaixone todos os dias por você. Joias sempre ajudam.